quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Fim de temporada

Acabou... esse ano esportivo já era para mim. Aproveito para fazer uma reflexão de como foi positivo. Vamos começar por Clearwater 2010, Mundial de Ironman 70.3, prova super seletiva em que você deve conseguir classificação em uma das muitas etapas que ocorrem no mundo todo.

Minha classificação veio no Ironman Brasil 70.3, e no dia 09 de novembro embarquei para Clearwater, Flórida.

Vou contar as partes que vocês ainda não sabem. Começa com um barulho seco, nunca vou conseguir descrever corretamente, mas parecia que algo estava me levantando no ar e arremessando com toda a força contra o asfalto quente e áspero daquele viaduto.

Dor...... confusão..... mais dor..... meu corpo escorrega no chão e lembro perfeitamente de pensar nas marcas que irão ficar, mais um pouco de dor. Como o tempo passa devagar, de repente a relatividade parece evidente e você vive intensamente aqueles poucos segundos e a quantidade de pensamentos, reações e sentimentos é descomunal. Mais alguns instantes de angústia e estou deitado no asfalto, de lado, apoiado naquilo que acho que ainda é meu braço esquerdo, posição fetal. Tenho medo de levantar, estou de olhos fechados, dor de novo. Abro os olhos e alguém fala em um Inglês carregado de sotaque alemão "você está bem?" consigo responder que não, preciso de uma ambulância. Silêncio..... algumas bicicletas passam e me dizem coisas que  não consigo registrar. Vamos sair do meio da estrada, é perigoso, me fala o alemão, não consigo levantar e ele me ajuda a rastejar de lado até um local mais ou menos seguro. Você vai continuar a prova? Minha resposta é não. Furei dois pneus e estou sem estepe, posso pegar sua roda traseira? Pega meu pneu reserva, respondo. Mas o seu é tubular ele insiste, o meu é clincher, eu posso terminar a prova e você não, posso pegar sua roda? Dor, confusão... será que estou ouvindo bem? Nesse momento consigo sentar e vejo minha bicicleta a uns quinze metros de distância, deitada, a roda da frente para cima e o pneu fora do aro. Fecho o olho e deito de costas. Algo incrível quando se cai de bicicleta é que o calor é insuportável. Você está fazendo exercício a mais de 35km/h e tem vento o tempo todo, quando cai, a temperatura vai para o espaço, pressão cai, e uma confusão bate na cabeça. Posso pegar sua roda? Me desculpe mas nesse momento a última coisa que vou pensar é nisso, não pode. Sento novamente e chega uma moto da organização. Você está bem? Não. A Ambulância já está vindo. Qual seu nome?, respondo, idade, ok, data de nascimento (vou ouvir isso mais umas quarenta vezes durante o dia, aparentemente é a forma de ver se estou bem) você vai continuar na prova? não. Então preciso recolher seu chip, posso retirá-lo? Sim. Estou sentado, não sei como, mas estou e começo a olhar para meu corpo. Alguém tira meus óculos e a bicicleta é trazida para perto. Olho meu braço esquerdo.... uma bola no cotovelo, parecia um osso saltado, achei que era uma fratura exposta que estava pronta para romper a pele. De repente movo os dedos sem dor, ué? Giro o braço, nada, dobro e estico, nada, na falta de coisa melhor pra fazer enfio o indicador direito na bola e era só um inchaço da pancada, pode estar quebrado, mas não é tanto assim. Olho para o ombro e está em carne viva, o mesmo para o cotovelo, coxa, joelho, canela e parte superior das duas mãos. Chega a ambulância. Onde dói? Em tudo. Preciso que seja mais objetivo. Ok ok, ombro esquerdo e cotovelo, possivelmente fraturados (começo a agradecer por falar inglês bem) Você está com o capacete quebrado, deite que irei retirá-lo, não se mova, nós faremos tudo. Pegam na minha nuca, me deitam no chão. Consegue esticar as pernas? Pronto. Sou todo imobilizado. Nesse momento a dor começa a aumentar exponencialmente, está ficando insuportável. Deve ter levado uns vinte minutos para me colocarem na ambulância. Antes da última amarração consigo apalpar minha clavícula com a mão direita, está inteira, ufa.

Ar condicionado dentro da ambulância, ufa. Agora estou deitado e o paramédico vem fazendo quinhentas perguntas e me acalmando ao mesmo tempo. Você está com dor? Posso lhe dar algo se quiser. Por favor, manda o que tiver aí. Ele faz o acesso intra venoso com a ambulância em movimento, não senti nada. Vamos combinar que errar as minhas veias também é difícil. Uma ampola... melhor? não. Segunda... melhor? nope, então vamos lá terceira e aí começa a aliviar. 

Lembro perfeitamente da orientação pré prova durante o jantar da sexta feira. O diretor técnico do ciclismo alerta que pelotões irão ocorrer, que é difícil controlar (por isso a prova está mudando para Las Vegas no ano que vem, aparentemente com mais subidas a coisa fica melhor) e que os acidentes irão ocorrer nos pelotões. Mas vocês atletas podem evitar tomando a opção de não ficar nos pelotões. Durante 80km consegui evitar problemas ficando longe dos pelotões. Quatro grandes me passaram, com mais ou menos 30 a 50 atletas em cada. Uma carnificina. Fiquei longe de todos. Justamente no lugar mais largo da prova, um pelotão enorme me alcançou e como tinha espaço foi alargando e muito contato lateral até que me pegaram e fui jogado para o lado. Organização da Ironman - tomei a opção correta e não foi suficiente, vamos acordar. 

Mais tarde continuo porque não é fácil digitar com uma mão só... fui